sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Entrevista EMIR SADER

As características dos países na América Latina são bastante plurais. Existe essa pluralidade quando falamos das Ciências Sociais? Mesmo o Brasil passa por uma mudança significativa com a volta da obrigatoriedade da Sociologia e da Filosofia no ensino médio. Em que momento está essa área na AL?

Sader Passamos o pior momento que foi o do pensamento único, coisa que, na política, foi devastador. A "vitória" do campo ocidental capitalista sobre o chamado campo socialista significou também a imposição de um, e somente um, determinado esquema de análise. A visão dos campos socialistas enfatizava que a contradição fundamental era no campo econômico. Na visão ocidental capitalista, atualmente dominante, a contradição fundamental é entre democracia e totalitarismo. Nessa visão havia sido derrotado o totalitarismo nazista e depois foi derrotado o totalitarismo comunista. Agora a luta é contra o "totalitarismo terrorista", contra o "Eixo do Mal", etc.

E como quem ganha impõe sua visão de mundo, a Democracia Liberal agora é igual à Democracia; Economia Capitalista passou a ser sinônimo de Economia de Mercado e assim por diante. Esse liberalismo econômico também penetrou o meio acadêmico diminuindo a capacidade de visão crítica. Os esquemas de análise que surgiram no centro do capitalismo passaram a ter cada vez mais penetração na periferia. Ou seja, máximas como "civilização ou barbárie", ao que parece, passaram a ser mais aceitas.

A civilização, diga-se de passagem, é branca, capitalista, industrializada, democrata liberal. Uma visão que é perpetuada pela mídia e que desqualifica outros modelos. A AL está a meio caminho disso. Já tínhamos um complexo de sermos marginalizados, então uma parte da intelectualidade assume esse discurso do centro do capitalismo (para tentar, ilusoriamente, não ficar mais à margem), luta contra as cotas, absorve o preconceito contra o mundo islâmico, desqualifica a China, torce o nariz para a Bolívia. Isso tudo, veja, denota que há a importação de um modelo norteamericano, e isso não tem justificativa, mesmo porque essa postura não nos interessa.

Vou citar um caso recente como exemplo desse tipo de postura: o jogador de futebol Adriano, que optou em deixar seu salário astronômico em um time europeu para poder morar no Brasil. Ninguém acredita que ele fez isso porque é mais feliz perto da família. As pessoas acham que dinheiro e consumo são sinônimos de felicidade. Isso é o tipo de visão que estou falando e que permeia cada vez mais a mídia e a sociedade. Dá a ideia e a dimensão do perigo que é importar critérios de avaliação dos centros de poder. E esse é um dos papéis do cientista social: estar atento ao momento e se posicionar à altura e ajudar o cidadão a enxergar essas articulações, evidenciando as possibilidades de desarticulação e rearticulação desses esquemas e realidades.




FONTE: Caminhos da esquerda latino-americana
Cientista social reverenciado pela esquerda e atacado pela direita, Emir Sader aponta as contradições do capitalismo e diz que a solução para a crise vai em direção contrária à apologia do neoliberalismopor ENIO RODRIGO B. SILVA fotos LEANDRO FONSECA

Nenhum comentário:

Postar um comentário