terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Entrevista com Tico Santa Cruz

Entrevista que não foi publicada.
A entrevista a seguir foi feita pelo jornalista do O Jornal do Brasil - Ricardo Schott.
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Os predicados "músico" e "ativista" sempre aparecem ao lado de seu nome quando se fala em você, pelo fato de você ter o Voluntários da Pátria, estar sempre ativo nas redes sociais, etc. Como você vê o fato de, solitariamente, fazer com que o público de rock e música pop pense, tome alguma atitude?
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Dizem que não há censura no Brasil, mas isso é uma falácia. A Censura está estabelecida pela mesma lógica na nova ideologia de grande parte dos artistas que é a preocupação exclusiva com seus lucros e rendimentos financeiros. Tratar de qualquer assunto político no Brasil é mexer com aqueles que direta ou indiretamente comandam boa parte do mercado “cultural” de massa, ou seja, desde os contratantes de shows grandes que possam estar vinculados a prefeituras ou políticos até alguns meios de comunicação que estão nas mãos desses mesmos personagens. Além do mais uma grande empresa jamais desejará vincular seu produto a gente que possa questionar o mecanismo pelo qual se atinja os alvos. Dessa forma está praticamente neutralizada qualquer intenção de se colocar a frente de tais assuntos. Se você não aceita participar do jogo dessa maneira existem milhares de outros artistas disponíveis para fazerem o papel do cordeirinho de empresários. O público brasileiro em geral, moldado por um formato pasteurizado sob a conduta do vamos, "festejar o tempo inteiro" e falar sobre nossos casos de amor que não deram certo", se sente desconfortável para tratar e cantar em massa coisas relacionadas a um assunto do qual eles querem distância que é exatamente as mazelas políticas e sociais que lhes trazem alguma frustração e sofrimento. Para muitos é melhor esquecer do que refletir para a busca da mudança; e ai vamos deixar claro que estamos falando do mainstream que é quem dita e tem a chance de impor uma opinião. Dar opinião hoje em dia é coisa de gente amargurada e chata como eu.
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Você credita seu envolvimento com questões além-música ao que aconteceu com o Rodrigo Netto? Como isso ficava na sua cabeça antes? Mesmo na época dos primeiros discos já havia o desejo seu e da banda de fazer algo mais?
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Quando escolhi cursar Ciências Sociais na UFRJ foi porque a história da minha vida e meus interesses intelectuais sempre estiveram presentes. É óbvio e não sou hipócrita em afirmar que no desejo de montar uma banda de rock não estava inserido a fantasia de viver o lema que hoje é tão politicamente incorreto do sexo, drogas e rock n’roll. Estar na estrada, ter fama, grana e mulheres a disposição. Contudo uma hora pode ser que você perceba que isso é apenas um lado da infinidade de horizontes que se pode viver uma vez que você tem seu reconhecimento. Nos primeiros discos do Detonautas temos canções que falam explicitamente de política como “Ladrão de Gravata” e metaforicamente como “O Bem e o mal”. No segundo disco temos “Mercador das almas” por exemplo, apenas para ilustrar. É claro que para vender discos nenhuma gravadora vai apostar em letras como estas, mas estão lá para os fãs. Em absolutamente todos os shows do Detonautas o assunto de sempre foi tratado, inclusive de forma exagerada da minha parte que por diversas vezes acabou com a banda saindo de cidades do interior do país sob escolta da polícia ou ameaças. Minha postura particular, não representa necessariamente a opinião de todos da banda de modo que com o próprio Rodrigo tive diversas conversas a respeito de ter ou não esse discurso presente. A diferença nessa história toda é que apos a tragédia isso se potencializou em Ações extra banda e com o interesse de alguns setores da mídia o meu nome passou a estar vinculado a estas questões.
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Tem uma história de que numa manifestação, nos anos 90, quando nem havia Detonautas, você chegou a tirar a roupa em público na Praia de Ipanema. Isso é verdade? Fala mais disso.
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Na verdade eu fui preso em 96 no “apitaço” que aconteceu em Ipanema quando uma leva grande de policiais fora reprimir o uso da maconha no posto nove. Todos recebemos apitos para avisar a presença da polícia embora não estivéssemos portando ou usando drogas. Um amigo meu fora detido por manifestar e eu fui questionar o policial a respeito da prisão. Estava apenas de roupa de banho e como a autoridade se sentiu desafiada com minhas perguntas resolveu me deter e me levar como estava para a delegacia onde dei entrada sem minhas roupas e meus documentos que estavam numa barraca de praia. Passei o dia e parte da noite detido até que um advogado interveio e conseguiu minha liberação por configurar que estava apenas me manifestando e não cometendo algum crime como os policiais quiseram insinuar.
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Artistas como Renato Russo, Humberto Gessinger e Cazuza eram (é, no caso de HG) compositores que faziam a juventude pensar, mas não necessariamente eram pessoas ativas, que se envolviam com causas, escreviam cartas para jornais. Para você é necessário que o artista envolva-se mesmo com algo além da música?
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Apenas se sentirem confortáveis com essa intervenção. Estes compositores viveram sob um Período de ditadura, tinham todo um contexto que lhes influenciava de forma muito viva em suas letras. Hoje estamos num estado democrático, teoricamente não sabemos quem é o Inimigo e não percebemos que estamos sendo jogados contra nós mesmos o tempo todo. A “Liberdade de expressão” é uma conquista que não faz a menor diferença nos dias atuais entre boa parte dos artistas, simplesmente porque eles não tem absolutamente quase nenhum interesse em usá-la para manifestar seus posicionamentos mais contundentes. Todo mundo é amiguinho de todo mundo e vamos aparecer sorrindo nas revistas de futilidade distraindo o povo com nossas vidas particulares e com nossos bens materiais porque isso é bem mais atraente do que um cara falando sobre as mazelas da população, as conseqüências da corrupção e o comodismo e a omissão da sociedade. Nos anos 80 músicas com conteúdo tinham espaços nas rádios pelo contexto da época. Experimenta tentar escrever algo assim atualmente e fazer sucesso... Aquele que conseguir terá todo o meu respeito. O Rock está sofrendo um processo de infantilização. Vamos todos queimar no fogo da Disney.
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Você viu a violência de perto na sua banda. Como fica teu coração ao passar mensagens de paz com os Detonautas no palco? Imagino que deve ser uma emoção e tanto acabar um show e falar algo como "abraça a pessoa que tá do seu lado"...
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É confusa essa questão. Não passo mensagens de paz, passo mensagens de contestação do padrão estabelecido. Digo aos jovens, querem ser rebeldes? Então leiam, estudem, sejam inteligentes, essa é a maior rebeldia que vocês podem demonstrar num pais de analfabetos e Analfabetos funcionais. A questão do amor ao próximo que tantas religiões e religiosos pregam parece constrangedor quando se pede para praticar a máxima Cristã que é “ame ao próximo como a ti mesmo” as pessoas tem vergonha de abraçar quem não conhecem. É mais fácil dar um soco na cara ou xingar um palavrão do que estender a mão ou demonstrar algum afeto. Quando conseguimos fazer com que o público se abrace coletivamente e que dance ao som de uma canção que propõe esse tal “amor”, é claro que emociona. Muita gente depois aparece no camarim ou me aborda na rua dizendo que se sentiu muito mais leve e feliz e levando a máxima do “O Amor é a única revolução verdadeira” como meta.
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Como vc começou a se interessar por música? Antes dos Detonautas vc chegou a ter banda? Sempre foi vocalista?
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Minha mãe sempre cantou e tocou violão. Sempre gostei muito de ouvir rádio. Minha influência inicial é de Rock Brasileiro, só fui fazer contato com o Rock estrangeiro bem depois. Na escola tentei cantar numa banda, mas minhas composições eram muito radicais e me lembro que o pai de um dos componentes desse grupo que é um figurão de uma gravadora importante, comentou certa vez com o seu filho, que hoje é um produtor bem sucedido “esse menino ( apontando pra mim ) não serve para a banda. Hoje eu acho graça disso, porque eles tinham razão mesmo, não serviria jamais para a tal banda que chegou até a fazer algum sucesso na época dos Mamonas Assassinas. Enquanto eles falavam de feijão e caminhão, estava eu com “Jesus Cristo foi chacinado” ou “Porque Papai Noel não é negro?” **Risos** coisas de adolescente.
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Tem uma história de que seus pais não davam muito apoio para sua carreira no começo. Como foi quando você resolveu ser músico? Você chegou a trancar alguma faculdade?
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Minha família por amor a mim e pela visão de que artista no Brasil não é valorizado tinha muito medo de que eu me transformasse em mais um frustrado no meio de tanta gente que tem algum talento e não obtém reconhecimento. Entendo eles. Meu pai e minha mãe me deram apoio sempre. Outros membros da família é que duvidavam ou desdenhavam de minhas intenções. Sempre estive envolvido com projetos artísticos nas escolas, fosse pelo teatro, fosse pela musica. Trabalhei durante muito tempo como “operador de Videokê” animando festas e fazendo a noite em alguns bares pela praça XV. Fiz mais duas faculdades depois de ciências Sociais, mas tive de trancá-las. Resolvi ser musico quando percebi que seria a única maneira de atingir meus sonhos sem depender de algum atravessador que pudesse me alçar a um lugar de destaque. Assumi a produção e os eventos relacionados a banda e fomos ganhando espaços na marra.
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Detonautas tinha, conforme você mesmo me disse numa entrevista, uma "imagem Malhação". O fato de vocês terem resolvido fazer um som mais pesado no terceiro disco e, de depois, vc ter abraçado uma linha mais consciente no seu trabalho, não fez com que as pessoas te olhassem com preconceito?
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A mesmas pessoa que critica a mídia quando vai tecer comentários a respeito de algum artista faz uso do caminho que encontrou para ter contato com ele. O que é uma grande contradição certo? Se o fulano é um indivíduo consciente e independente quando sugere ao destacar e rotular alguém, deveria no mínimo se aprofundar um pouco mais para finalmente congelar seu alvo num produto “malhação” ou seja lá qual for. Eu usei conscientemente o caminho que escolhi para chegar até aqui. Sou darwinista, acredito que aquele que não se adapta desaparece. Naquele ano em que o Detonautas fora lançado o que tínhamos como opção para mostrarmos nosso trabalho eram esse canais, essas roupagens, então como qualquer outro animal no meio da selva me adaptei ao formato e fui em frente. Isso jamais anulou minhas convicções internas, tanto que nos shows como disse antes, os discursos e as musica B estavam presentes. Depois que estabelecemos o nosso nome e amadurecemos com o conhecimento real do que acontece por trás das cortinas então partimos para o nosso jeito próprio de abordar o Rock e estamos trilhando um caminho que considero digno.Ainda não atravessamos a ponte e veja como são as coisas, hoje não somos mais o sonho de consumo dos adolescentes e nem ganhamos totalmente o respeito do público adulto, porém, acredito que isso é só uma questão de tempo.
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Hoje o que o Voluntários da Pátria tem feito? Como são as apresentações do grupo e que atividades vocês fazem?
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Temos algumas frentes bem diferentes. Durante 3 anos promovemos diversas manifestações lúdicas para tentar chamar atenção da sociedade para algumas questões. Sem modéstia nenhuma posso afirmar que nós fomos os primeiros e os que mais incentivaram as manifestações públicas nessa cidade no intuito de obter alguma união com os demais grupos e conseguimos. Depois da morte da Cleyde do “Gabriela eu sou da Paz” é o “Rio de Paz” quem se movimenta com melhor desenvoltura no Rio. Nós não somos uma ONG, não queremos dinheiro de ninguém para não atrelarmos a interesses de terceiros. Queremos ter liberdade de trânsito entre todos os tipos de pessoas. Digo que o Voluntários é a “cruz vermelha” dessa história. Passamos desde presídios a escolas e Universidades, ajudamos a montar bibliotecas em comunidades carentes, hospitais e creches e fazemos algumas performances teatrais e musicais para ganharmos dinheiro que paga os integrantes e as Ações. O Voluntários segue.
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Como você concilia os dois projetos?
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Na verdade hoje são TRÊS e mais alguns particulares relacionados a parcerias com outros artistas da musica Brasileira. A Agenda do Detonautas é prioridade óbvia, sem recursos que preciso para pagar minhas contas não posso trabalhar como voluntário em mais nada. Porém conseguimos marcar nossos compromissos de forma organizada. Durante a semana o Voluntários atua e nos fins de semana é o Detonautas que me leva aos lugares.
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Numa época, tinha poesia e momentos mais conscientes no próprio show dos Detonautas. Como você faz para que a coisa nao fique over, exagerada? Já te passou pela cabeça que o público poderia estar querendo ver outra coisa?
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Essa época permanece. Ainda recito eventualmente poemas ou letras de musicas que considero interessantes. O que diminui foram os discursos de 18 minutos **Risos** que fazia entre uma musica e outra. A banda não pode virar um partido político ou uma organização revolucionária, não é a proposta dos componentes. Sem Duvida nenhuma que aquilo deveria irritar muita gente que estava lá apenas para se entreter, ouvir musica e procurar um par. Contudo foi um aprendizado importante para que pudesse equilibrar as questões. Hoje lido muito melhor com isso, opto por pequenas Pílulas e uso a internet para aprofundar as questões. Não obrigo e nem dou prêmios para que as pessoas lêem meu blog ou me sigam no Twitter e assim vou fazendo o que considero a minha parte nessa história.
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Hoje em dia quase não explora mais letras conscientes no Brasil. Por mais que Detonautas não seja uma banda de "letras de protesto", a atitude consciente sempre acha lugar nos discos de vocês. Dá solidão fazer isso praticamente sozinho no rock nacional?
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O que seria de mim sem a terapia? Talvez mais um suicida na história do Rock? Quantos se foram ou se entregaram por perceber que a população não esta definitivamente interessada em mudar as coisas. O que busco hoje é tentar burlar com palavras a tal da “Censura” aos assuntos mais sérios. Meu objetivo é fazer letras que tenham estas mensagens embutidas mas que ao mesmo tempo possam ser cantadas sem que as pessoas percebam que estão tratando de certos assuntos “desinteressantes”. Outro dia no perfil do Twitter do maior produtor de rock dessa geração, Senhor Rick Bonadio, uma mensagem bem interessante aos que almejam um lugar de destaque em suas produções. “Detesto intelectuais, se você fugiu da escola aqui é o seu lugar”. São estes os jovens que hoje se tornaram ídolos dos adolescentes. Meninos que “fugiram da escola” não tem qualquer conhecimento do que se passa ao redor e buscam apenas a fama e o desejo de dar autógrafos e serem reconhecidos. Esse tipo de gente é mais fácil de manipular. Por outro lado, se o artista for essencialmente radical e achar que só com letras políticas e intelectualizadas atingirá a massa também cairá no mesmo equívoco. Por isso é que moldo minhas estratégias de uma forma muito peculiar, equilibrando os temas e vivendo meus personagens. Quanto a angustia de estar sozinho, eu falo na musica atual da banda que está tocando muito bem nas rádios “A solidão quem me ensinou a ser mais forte e a qualquer lugar eu vou sem medo”
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Qual tua relação com a religião atualmente?
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Freqüento centros de Umbanda, pois gosto de lidar com esse lado místico. Por outro lado meu lado Cético é muito forte pelo fato de estar conectado com a literatura e principalmente com a filosofia. Tem horas que me confundo, e nesses momentos uso Osho como referencia. Ele dia “Acredite apenas nas experiências que se passaram com você”. Sou um agnóstico curioso pelas manifestações sobrenaturais da humanidade. Afinal de contas, ninguém é o dono da verdade e como não há como provar nada, vou experimentando de tudo.
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Como é teu dia-a-dia e tua relação com a internet? Quanto tempo você passa por dia em redes sociais, ou navegando? E como você divide esse tempo com outras coisas?
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Escrevo para meu blog praticamente todos os dias. Tenho uma coluna no Jornal onde monitoro os comentários através da rede. Participo ativamente do Twitter e sou um dos moderadores da comunidade oficial do Detonautas no Orkut. Estou sempre atrás de algum conteúdo que possa agregar alguma reflexão nos meus objetivos. Contudo estive por alguns meses a beira de um colapso mental pelo uso excessivo e hoje procuro me dar um tempo mais determinado para estar diante do computador. Nenhum viciou é saudável e estava caminhando para alguma destas novas doenças do século XXI, a internet pode ser um grande problema se o usuário esquecer que existe o mundo real ali depois da porta.
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Para muitos músicos, gravar um disco e manter uma carreira é o projeto de vida em si. Para boa parte das bandas do Brasil, manter uma carreira, gravar discos, fazer shows, é uma batalha diária. Como você vê teu trabalho atualmente e os leões que todo artista tem que matar por dia?
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Não deixamos tudo nas mãos nem de empresários e nem da gravadora. Temos nossas frentes independentes atuando paralelamente para fortalecer o trabalho. Existem muitas dificuldades, mas existem muitos caminhos alternativos que são úteis para a oxigenação da banda. Busco frentes que muitas vezes são ignoradas pelos artistas que atendem apenas aos interesses de Rádios ou TVs de grande porte. Valorizamos o interior do país com nossa presença em meio a estes veículos de comunicação. Vamos deixar a internet de lado um pouco nesse momento, pois ela é a principal fonte de divulgação da banda e jamais podemos esquecer que a nossa fonte é a criação das musicas e os shows com o contato direto com o público é assim que você consegue não desaparecer nesse mar de conteúdos úteis e inúteis que povoa a cabeça das pessoas de hoje em dia.

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