segunda-feira, 27 de abril de 2009

Uma boa história

(por Lúcio Manga!)
Wood Allen está certo: “por que estragar uma boa história com a verdade?” Então, caro leitor, façamos uma análise simples da proposta do ministro da Educação, Fernando Haddad. O novo Enem terá 200 questões, sendo 50 de cada área: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias, além de uma redação. Substituir os vestibulares nas 55 universidades federais do país por uma prova única, o novo ENEM, é uma boa história. Com ar apoteótico, a proposta sugere o fim do vestibular. A verdade, entretanto, está evidente. É uma nova prova de vestibular. O que há de novo nisso senão o fato de que alguém percebeu que o ENEM não poderia ser aplicado no meio do ano, bem antes do fim do ensino médio?
Como os conteúdos serão os mesmos já abordados no ensino médio, o ministro afirma que, nesse novo modelo de avaliação, serão exigidos raciocínio e reflexão com o enfoque interdisciplinar e contextualizado típico do Enem. Nessa história, não mais haverá a cobrança de conteúdos específicos e de fórmulas. Nesse caso, em uma breve análise nas provas aplicadas anteriormente, será possível evidenciar a carga de conteúdos específicos que permeiam – de verdade – as questões.
A boa história é que o MEC entende que não há necessidade de mudança de preparação para o novo Enem. “Quem está preparado para o vestibular, em tese, está preparado para essa nova prova”, afirmou o ministro. A verdade então é, se o aluno está preparado para essa nova prova, o que precisa mudar no ensino de nossas escolas? Vale ressaltar que a aplicação de uma prova única para a seleção nas universidades federais favorecerá regiões do país com maior qualidade de ensino, pois, mesmo o ministro afirmando que a mobilidade é uma das grandes vantagens oferecidas pelo novo formato do vestibular, não há dúvidas de que haverá desigualdade na “nova concorrência”. Afinal, quem acredita na história de que o Plano de Desenvolvimento da Educação vai garantir educação de qualidade para os jovens de todo o país e diminuir as desigualdades regionais?
Segundo Haddad, o MEC prevê aumentar verbas para ajudar financiar moradia, alimentação e transporte dos alunos que necessitarem. Ora, essa é uma ótima história, mas a verdade é que o ensino público é abandonado. E eu não estou querendo ser pessimista, não. Simplesmente analiso os fatos. Para ilustrar, basta avaliar a política de cotas. Onde estão as melhorias na escola pública para que as cotas possam ter data marcada para acabar? Onde está o apoio ao estudante de baixa renda que precisa estudar em horário integral e, por isso, não pode trabalhar?
Educação exige uma verdade a cada dia. Não se constrói um projeto para o país à custa de uma determinação imposta à sociedade. E, o que é pior, a discussão é sempre o acesso ao ensino superior. É como colocar a carroça na frente dos bois. Deixa-se para trás a educação de base, marcada no país pelo abandono. Pronto, estraguei uma boa história.

(Públicado no jornal A Gazeta em 16 de abril de 2009)

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